60 Minutos com Brecht

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Nota de Encenação

A extensa, variada e rica obra de Brecht, escrita na primeira Metade do século passado, permite a reflexão sobre temas que permanecem, infelizmente – no século XXl -, como atuais: a (in)dignidade humana, a (falta de) liberdade, o (des)respeito entre os homens, o interminável combate entre o Poder e a Verdade, a delicada relação entre vencedores e vencidos/explorados e exploradores, os conflitos entre o indivíduo e a coletividade. Enfim – paradoxos da vida do ser humano.

Nossa produção seleccionou, como texto básico deste espectáculo, a peça considerada pela maioria dos estudiosos de Brecht, como a sua obra-prima: Galileu Galilei. Nossa encenação deseja propor uma reflexão sobre o planeta, hoje: as relações entre a ciência e o Poder Político (na época de Galileu, século XVll, o poder era sinónimo de “igreja católica”); uma reflexão sobre as relações entre a ciência e a realidade quotidiana: pode a ciência permanecer em sua torre de marfim, perseguindo o conhecimento pelo conhecimento, sendo mais importante a descoberta e não o que se fará com ela? Caberá ao cientista apenas descobrir, deixando aos políticos o que fazer (de bem e de mal) com o novo? Basta olharmos o emprego das armas químicas nas guerras.

Pensamos, como Brecht, que a ciência deve buscar a melhoria de vida do ser humano pois, se assim não for, “cavar-se-á abismo tão grande, que a cada nova descoberta vossa (dos cientistas) a resposta será um grito de horror universal”- Galileu Galilei, cena final.

Galileu Galilei discute também a ética: até que ponto devemos utilizar formas honestas de luta contra os inimigos que utilizam estratégias desonestas? lnimigos que, pelo recurso a comportamentos desonestos, acabam injustamente por vencer? No seu poema aos que vão nascer, Bertoll Brecht pergunta: “que tempos são estes em que uma conversa sobre árvores é quase um crime porque inclui um silêncio sobre tantos malefícios?”

Para que tais reflexões não se transformem num tedioso discurso académico, Brecht, através da dialética, nos presenteia com um personagem carismático, encantador: Galileu é astuto, dado aos prazeres do pão e do vinho, é contraditório, charlatão, mentiroso. Na peça, o Papa afirma sobre Galileu: “não sabe dizer não nem a um pensamento novo e nem a um bom copo de vinho”.

E é Brecht quem pergunta: “Por que o protagonista negativo é sempre muito mais interessante que o herói positivo?”

Brecht afirmava que o espectáculo de teatro tem, como obrigação, levar a plateia à reflexão. E, também, divertí-la. Portanto, será buscada uma encenação que traduza uma dimensão, ao mesmo tempo, de profundidade e de alegria, de contundência e de humor (corrosivo, mas humor!). Na busca de tais objetivos, tive a felicidade de contar com três excelentes actores e com uma Equipe de Criação competente e instigante.

Como nossa encenação é uma homenagem a Fernando Taborda, Rui Damasceno e Victor Torres, a meta era conseguir a construção de um espectáculo em que apenas os três atuassem. Neste sentido, adaptei Galileu Galilei para três atores apenas, sendo que Fernando Taborda está fixo no papel-título, enquanto Rui Damasceno e Victor Torres desdobram-se em diversos personagens.

Por ser “Brecht” um espectáculo não deve ser pesado, escolar, enfadonho. Sério e profundo, Brecht trabalhava ao mesmo tempo com sarcasmo e ironia. Vejamos esta fala da Mãe-Coragem, em Mãe-Coragem e seus filhos.

Meu filhinho querido. A sua honestidade chega a me assustar. Já que não eras inteligente, eu te ensinei a ser honesto.

Mas vai com calma, filhinho.

Tudo tem limites.

“Uma peça de teatro deve mostrar fatos, como as testemunhas de um desastre reconstroem, perante o juiz, as diversas fases do acidente.

O papel do Juiz, no teatro, cabe aos espectadores!” Bertolt Brecht

Clovis Levi

Nota de Produção

“Sonho, logo existo”

Georges Sand

Um dia acordei para esta ideia: porque não reunir no mesmo palco três talentosos actores, que comungam da idêntica circunstância de não terem optado profissionalmente pelo teatro e que, apesar disso, é a arte que vêm abraçando ao longo das suas vidas, com visível paixão? Alguém me respondia um dia destes: pois, é o Pais que temos…

Este foi o ponto de partida. A seguir, desafiei todos aqueles que fazem parte desta aventura teatral, entre artistas, criativos e técnicos, que sem hesitações e com uma enorme generosidade responderam afirmativamente ao convite que lhes enderecei.

Com a equipa constituída, e depois de analisadas várias possibilidades, a opção de texto recaiu sobre Bertolt Brecht. Por razões várias, mas talvez a mais relevante decorra da atualidade e pertinência das suas palavras e dessa forma única que o dramaturgo utiliza para nos interpelar e nos inquietar, atitude tanto mais importante e vital neste mundo em que vivemos, onde o absurdo e a violência nas suas mais variadas e subtis formas espreitam a cada momento, sem qualquer pudor ou legitimidade.

Em Março de 2004, apresentei o projecto 60 minutos com Brecht no Concurso de Apoio a Projectos Pontuais para o Teatro-2004/Região-Centro, o qual foi contemplado na decisão final do Juri, tendo procurado nessa mesma candidatura acentuar determinados aspectos, designadamente, proporcionar a artistas e criativos maioritariamente residentes em Coimbra, a oportunidade de tornar visível a qualidade do seu trabalho artístico, o seu profissionalismo e privilegiar a itinerância na região centro. O projecto em referência não se esgotava, deliberadamente, na apresentação de um espectáculo de teatro, integrando-se na programação sugerida os designados “Eventos Paralelos”, que constituem outras tantas abordagens da obra de Brecht, em forma de poesia, imagens, canções e tertúlia. Conhecida a decisão final do Concurso em Novembro de XXXX, estavam reunidas as condições de exequibilidade do projecto mas, dada a excepcional morosidade do processo de deliberação e do seu conhecimento público, a apresentação daquele, ficaria irremediavelmente comprometida para o ano de 2004, agendando-se, então, para o início de 2005. O grupo de trabalho entretanto criado, começava a dar os seus primeiros passos.

Ultrapassadas todas estas etapas, haveria ainda um desafio a colocar a uma prestigiada instituição cultural desta cidade, o Teatro Académico de Gil Vicente, convidando-o a co-produzir o projecto 60 minutos com Brecht, parceria que foi aceite e muito nos honrou e que se revelou fundamental para a viabilidade e conclusão do projecto em referência.

A pouco e pouco, 60 minutos com Brecht começou a ganhar asas, somando apoios entusiásticos, colaborações desinteressadas, das mais variadas proveniências: empresas comerciais, agentes da comunicação social, particulares, instituições. Gestos que nos animam e fazem pensar que a cumplicidade e a motivação dos outros depende, em grande medida, daquilo que formos capazes de

transmitir e da credibilidade que possamos intuir e merecer.

Chegados aqui, é caso para dizer, oxalá nada disto tenha sido em vão e o resultado suscite o vosso aplauso.

Uma última palavra, se me permitem: dedico todo este esforço à memória de meu pai, cujo exemplo de vida me ensinou que os sonhos devem ser mesmo levados a sério.

Margarida Mendes Silva

Crítica e Citações

 

“ (…) O que eu lá fui ver foi três rapazes de Coimbra, artistas de mão cheia, daqueles raros a quem o destino parece não regatear o instante fugaz da merecida consagração, um dos quais leva tão a sério a servidão da arte que pratica ao ponto de se ter dado ao luxo de ressuscitar(sem aspas) para retomar a peça no ponto em que a havia deixado, alguns meses atrás.(…)”

“(…) As suas mãos frágeis de dedos flutuantemente finos, a sua voz ora aveludadamente insegura ora convictamente afirmativa, e o sorrir de quem canta uma canção de Kurt Weil sabiamente ausente incorporaram tão bem a personagem que, a partir de certa altura, já ninguém dava conta de onde acabava Fernando ou começava Galileu(…)”.

“(…) De Rui Damasceno e Victor Torres poderá dizer-se que criam uma abundante galeria de figuras  espirituosamente credíveis, esboçadas com verve e invenção num registo optimista, coerente com a “visão clara” da ciência redentora que a versão dramaturgia  coloca em palco , a par da comédia  de contradições  que o “império da autoridade” impõe à sempre fugidia e contigente “ânsia da verdade(…)”.

_Costa Brites, in “Coxia Central”,Diário de Coimbra, 23.09.05

_ Ver texto na íntegra

(…) “Muito fiel à matriz brechtiana, o espectáculo é pontuado por canções e vários momentos de humor, que obrigam o público a rir mesmo quando advinha desgraça. A um tempo cómica e tocante é também a encenação dos dilemas do Monge Fulgêncio, dividido entre o amor à Astronomia e ao Papa, com o actor Rui Damasceno numa alteração esquizofrénica de registos de voz.”.(…).

Maria João Lopes, “Y”,Público, 11.02.05

(…)“Ao longo de uma hora, a peça 60 minutos com Brecht, inspirada em Galileu Galilei, de Bertolt Brecht, questiona o papel da ciência, o significado da descoberta, as fraquezas humanas, e a religião.(…)É o confronto entre a ciência e as suas consequências, ou entre o progresso e a sua utilização. É dos homens que fala, e também dos seus medos”.(…).

Maria João Lopes, Público, 20.09.05

Marcadores de livros inspirados em Brecht

Eventos Paralelos

Poemas de Brecht com actores da Cooperativa Bonifrates.

O Teatro de Brecht – Comentários e Experiências com António Pedro Pita, Carlos Fiolhais, Clovis Levi, Joaquim Benite e Manuela Delille.

10 Canções para Weill com Sofia Lisboa, Raquel Ralha e Paulo Figueiredo.

Lisboa- Teatro da Politécnica / Teatro da Trindade

Aveiro – Estaleiro Teatral

Coimbra – Teatro Académico de Gil Vicente e Teatro Estúdio Bonifrates

Música

Fotos

Fotos

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